quarta-feira, 28 de julho de 2010

Quanto vale o seu sonho?

A capacidade humana de sonhar, de criar uma realidade imaginária, distante ou não, do seu cotidiano, sem dúvidas, é confortante e necessária pra o bem-estar subjetivo e psicológico do indivíduo. Afinal, os sonhos funcionam não só como válvulas de escape, mas também como molas impulsionadoras que dão sentido e objetivo à vida, sem falar que são responsáveis também por alicerçar as principais mudanças da história da humanidade.

Enfim, falar do quão bom é sonhar, é bem suspeito vindo de uma pisciana, legitima sonhadora, que vive mais nas nuvens do que com os pés na realidade. Isso pode ser justificado devido ao fato de que no sonho você é livre pra desejar ser o que quer, sem limitações financeiras e geográficas, no sonho você cria um mundo de acordo com seu desejo.

Porém, corre-se o risco perigoso de viver só de sonhos, o que é um erro. Do que adianta passar horas sonhando, desejando e não fazer absolutamente nada pra conseguir transformá-lo em realidade? A depender do grau de dificuldade e de distância do sonho, realizá-lo requer disciplina, coragem, esforço, trabalho, compromisso, responsabilidade e outros mil fatores já conhecidos. Não raramente, isso gera desânimo, comodismo e desesperança, levando, portanto, as pessoas a deixarem seus sonhos em segundo, terceiro ou último plano.

A pergunta é: Quanto vale o seu sonho?

Um dia vi uma frase, em um lugar qualquer, que dizia, “Não pense no quanto custa, mas sim no quanto vale”. É importante que se mude a ótica e que não pense somente nos obstáculos que vai ser preciso enfrentar, pensar somente nos custos é algo, de fato, desanimador. Pense, portanto, o quanto alcançar este objetivo pode ser importante, na realização pessoal que essa conquista acarreta e nos ganhos, nos lucros, que você vai ter ao realizá-lo.

Sonhar ganha um propósito quando você sai do plano da fantasia e transforma seu desejo, por mais megalomaníaco que seja em objetivos e metas, com prazos e planos bem definidos do que você precisa fazer dentro da sua realidade para conseguir alcançá-lo, independente do que seja. Trabalhar mais? Juntar dinheiro? Fazer determinados cursos? Estudar mais? Vender algum imóvel, largar algumas coisas? Seja o que for, acredito que este seja o primeiro passo, além de estar disposto a lutar pelo sonho sem esmorecer diante as dificuldades. Afinal, que graça tem vencer de W.O? Que graça tem a vitória se ela não for suada, nem minimamente conquistada e merecida? Coisas muito fáceis, sem muita conquista logo perdem a graça. Logo se transformam em supérfluos. Seria sonho, se não houvesse nenhum empecilho pra realizá-lo?

O meu primeiro grande sonho foi a UFBA. Nossa! Eu lembro o quanto eu penei, o quanto tive que me esforçar e me dedicar, abrindo mão muitas vezes de viver coisas momentâneas e tentadoras que me desvirtuariam completamente do meu objetivo e da recompensa que me esperava por tanta determinação. E até hoje eu lembro, o quão gostoso foi conseguir realizar esse sonho e sentir o sabor de que você pode ter o que quiser no mundo, basta você não apenas sonhar. Essa coisa de “O Segredo”, não funciona muito comigo, essa coisa de mandar energia pra o universo e esperar conseguir me parece irreal. Nunca vi ninguém ganhar nada, fora loteria e coisas relacionadas à sorte, só por pensamento. Da onde eu venho, felizmente, para conquistar as coisas foi preciso batalhar por elas, nada caiu de graça na conta bancária.

Enfim, sem mais delongas, meus caros e fofos leitores, resolvi escrever sobre sonhos porque nesse momento estou lutando por mais um, bem grande, por sinal. Este meu sonho vai me custar alguns mil euros, muita dedicação em aprender outros dois idiomas e trabalhar, vai me custar aprender a me virar sozinha, a cozinhar, vai me custar coragem, desprendimento e maturidade pra encarar outro país sozinha e muita paciência. Em contrapartida, vai me dar em troca além do sabor de conseguir realizar os objetivos, muita experiência de vida, maturidade, conhecimento, novas perspectivas, independência e o principal, vai dar ainda mais sentido a minha trajetória de vida.

Então, queridos e queridas, o que eu quero dizer hoje aqui é que nunca percam a esperança e a capacidade de sonhar, não deixem que as impossibilidades do dia a dia os paralisem e os transformem em meros sobreviventes da rotina. Sonhem, sonhem alto, sonhem muito. Porém, não deixem que esses sonhos virem horas perdidas, transforme os em objetivos, em metas e em listas, que com ação, disciplina e um pouco de sorte esse sonho vira sim, realidade.


Ps. Não gosto de livros de auto-ajuda, não recomendo e apesar do meu texto estar à cara do Augusto Cury, a cara da auto-ajuda clichê, é a minha dica da semana para todos vocês que estão lendo.

Abraços,

domingo, 25 de julho de 2010

Quinze anos outra vez...


Há quatro anos atrás aquele lugar era dela, muito tempo havia passado desde que ela tinha 15 anos até aquela noite, passou tão rápido, mas muita coisa havia mudado. Ela, por exemplo, nem de longe é a mesma menininha de quatro anos atrás.

- Uma roska, por favor? Avisava que começaria a se divertir naquele momento.
Desfilando pela festa, observava cada canto daquele espaço, a decoração, as cores e os adolescentes, que representavam um pouco do que ela era no passado, as suas expectativas, a descoberta tão pré-adolescente do sexo, da bebida e do namoro. Achava graça do tempo, das mudanças e da ironia que era observar os meninos ali presentes, como os outros a observavam quando mais nova.

Agora ela já estava na terceira roska, “Com mais vodka, viu moço?” E à medida que o álcool começava a fazer efeito sobre o seu corpo, ela deixava de ser apenas observadora do seu passado longínquo e se tornava atuante naquele espaço, como forma de reviver algo que já passou. Fez amizades com os colegas da aniversariante de 15/16 anos, pediu um Whisky com gelo e foi dançar.

Dançava e bebia, sem pensar em nada, sem ver ninguém, era só ela e as luzes, que a deixavam cada vez mais bêbada. Sua idade? 15 anos de novo. Conseguia resgatar os velhos sentimentos ao ver aquelas meninas, tão novinhas, mas tão cheias de vontade de serem adultas. E ela só queria dizer, como já ouviu tanto de outras pessoas mais velhas: - Meninas aproveitem essa fase.

Um Martini com gelo agora, e ela já não estava mais em seu estado normal. Resolveu sentar para ver se amenizava a tontura. Descalça, quase que sem maquiagem, cabelos molhados de suor, sentou-se num banco afastado da pista de dança e começou a apurar sua observação. Para cada gole de Martini, ela misturava mais o que via com o que já tinha vivido. Via casais se beijando, meninas dançando como se o mundo fosse acabar, via a felicidade da aniversariante, quinze anos, de menina à mulher. Via luzes, muitas luzes e sentia seus reflexos cada vez mais comprometidos. O riso frouxo, agora, dava lugar à nostalgia que aquela festa simbolizava.

Mais Martini, por favor?! E ela se transportou. Ano? Entre 2005 e 2006.
Sua primeira lembrança foi de uma festa parecida com aquela, conseguia ver seus velhos amigos e ela com 15 anos, flashes de antigas amigas, de antigas fofocas da turma e de como os meninos eram infantis. Em seguida, lembrou de outro aniversário e voltou a uma das cenas mais marcantes de sua vida, um beijo descompromissado, que resultou num dos seus maiores amores, o seu primeiro amor. O local era bem familiar, e a riqueza de detalhes que lembrava fazia com que ela revivesse aquele momento quase que com perfeição. Ela estava no celular, afastada do restante do grupo sentada num muro baixo, chateada com ele, mas bancando a orgulhosa. Lógico! Ela que não iria atrás. Ele se aproximou, com o mesmo ar descompromissado e um copo de vodka pura na mão, como se quisesse mostrar pra os outros o quão homem era. Duas crianças é o que eles eram na verdade. De frente pra ela, ele olhava seus olhos sem dizer uma palavra, ela meio fria e com um pouco de raiva, tentava disfarçar o quanto aquele olhar amolecia seu coração. Era impossível sentir raiva dele, daquela lábia encantadora, daquele carinho que ele tinha com todas as meninas do universo. Não se lembrava ao certo como ocorreu o beijo, quem tomou a iniciativa, essas coisas. Afinal, era pedir demais de alguém que estava sentada num banco, bêbada, numa festa de quinze anos, quatro anos depois. Porém, lembrava do que tinha sentido naquele dia, sentia que já era tarde demais, que já estava completamente apaixonada por ele apesar dele não querer nada além de um beijo esporádico dela. No entanto, o corpo dos dois já sinalizava que aquilo não acabaria ali, tinha muita química, tinha encaixe. O beijo parecia ter sido ensaiado de tão sincronizado, o cheiro, o gosto, o calor da pele... Nossa! Aquela noite havia sido inesquecível.

Voltou para sua realidade, observava os outros jovens na pista de dança e lembrava de suas histórias. Já estava tonta demais pra distinguir o que era passado e presente e um sentimento de saudade de quem era a tomou quase que depressivamente. Resolveu parar de beber, tomar um ar, ajeitar-se e voltar a seu mundo adulto, tão diferente e não menos interessante do que aquele mundo que ficou pra trás, junto com quem ela era há quatro anos. Foi recuperando-se aos poucos, despediu-se de cada elemento que a remetia ao passado, engoliu o nó na garganta que a nostalgia junto com a sensibilidade alcoólica queria transformar em lágrimas, levantou sentindo-se melhor e com passos mais seguros, tão seguros quanto ela era agora, cumprimentou as pessoas como se não tivesse tomado nenhum gole de álcool e atuou, digna de premiação, fazendo o papel da mulher adulta, inteligente e compromissada com o futuro, deixando pra trás temporariamente, aquela mocinha ingênua de quinze anos que insiste em persegui-la onde quer que ela vá.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Dar ou não à luz?

Hoje estava tentando escrever um texto, mas nenhuma linha me saia, nem uma mísera linha. Foi quase como um parto, um parto de uma criança de cinco meses, prematura, onde quase abortei de tanto querer parir. Minha mente pulsando idéias, a minha pele exalando sentidos e sentimentos, meu corpo transbordando sensações das mais distintas, desejo, saudade, felicidade, carência, angústia... Parecia o momento perfeito, o ângulo perfeito do meu pensamento, o segundo ideal pra transformar intensidade e vitalidade em palavras.
E? Nada! Simplesmente nenhuma palavra ou pelo menos nenhuma que me surpreendesse ou descarregasse essa energia. Escreve, apaga, escreve, apaga, escreve e apaga mais uma vez. Meu desejo virando sono, minhas idéias ficando cada vez mais confusas, minhas sensações escorrendo entre os poros e a página em branco, branco como a minha claustrofobia. Claustrofobia que minha mente me causou de tanto sufocar e fechar meu cérebro com uma imensidão de palavras soltas, desconexas, fragmentadas, repetitivas, repetitivas, repetitivas e repetitivas.

É, acho que vou esperar essa gestação completar seu ciclo natural, não vou parir só palavras, vou gerar um filho completo, no tempo certo.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Uma foto, uma carta...

Rio de Janeiro, 15 de novembro de 2001

Querido Rangel,

Provavelmente você estranhe receber uma carta minha após tantos anos, logo minha, que nunca escreveu sequer uma linha pra você. Acontece que hoje, em meio à arrumação para mudança do meu apartamento, encontrei uma foto sua. Você ainda usava aquele bigode que eu detestava e tinha aquela mania que me envergonhava de tirar fotos com o cigarro no canto da boca. Eu estava arrumando caixas, jogando papéis velhos fora, enrolando objetos em folhas de jornais antigos e eis que dei de cara com essa foto. Permaneci em silêncio sentada no chão empoeirado do meu apartamento com vista para o mar. Lembra o quanto você gostava da vista do meu apartamento? Fizemos os melhores planos do nosso efêmero caso diante dessa vista de exatos 60 cm, o tamanho da minha janela.

Logo quando você partiu, todos os dias às 17h45 eu me debruçava sobre a janela e observava aquele mar, ora revolto, ora límpido, numa tentativa frustrada de reviver você. Encostada ali lembrava da maneira como decidíamos nossas viagens, inesquecíveis viagens; lembrava de você me dizendo “Pequena, só existe o agora, eu não sei se estarei com você amanhã, então, vamos aproveitar!” Nossa, como essa frase, tão sua, me deixava insegura e me fazia todos os dias olhar para o lado esquerdo na cama, após acordar, com medo de que você não estivesse mais lá. Vivia na iminência de sua partida, afinal, entre a gente não existia futuro. Nossos planos eram breves, aventureiros e felizes. Dez anos se passaram desde que você foi embora, o apartamento e a janela ainda continuam os mesmos, mas eu não. Sinto falta da nossa impulsividade e desprendimento quanto ao resto do mundo, a verdade é que eu invejava o seu desapego, a sua imprevisibilidade, inconseqüência e intensidade, nossa, como eu queria ser como você. Apesar da curta duração, o nosso caso foi o mais intenso de toda a minha vida. Com você eu não me sentia segura, nem protegida, nem confiante, nem amada, nem esposa, nem nada, eu me sentia livre.

Admirando aquela foto permaneci por mais alguns minutos, que pareceram os meses do nosso curto caso, lembrava dos seus cabelos molhados, do cheiro do seu shampoo e dos cachinhos que eu enrolava no dedo quando depois de uma daquelas noites loucas de sexo você repousava a cabeça em minha barriga. Lembro de você brincando com ela, esfregando sua barba mal feita e me fazendo cócegas. Lembro de você cantarolando Bob Dylan, enquanto tomava banho e dirigia. Nossa! Como você dirigia mal. Agora rindo sozinha nesse apartamento imenso, sem você, consigo lembrar de você batendo na minha bunda na frente das pessoas. Eu lembro também do seu amor por cigarros, que eu tanto detestava, meu apartamento ficava impregnado, cheirando a fumaça, e esse era o motivo mais frequente das nossas brigas de dois segundos, que você tinha a malícia de calar quando roubava de mim os melhores beijos que eu já dei na vida. Hoje, senti saudade daquele cheiro sufocante de fumaça no meu quarto, senti saudade de você.

Não tenho idéia de como você está hoje em dia, afinal, dez anos se passaram. Nem sei se enviarei esta carta, ou se você se encontra ainda no mesmo endereço, mas eu sei que estou me mudando. Finalmente, vou seguir seu conselho e sair dessa vidinha de merda de escritório e patrão, vou seguir o meu sonho, vou seguir meu coração e nada mais perfeito do que encontrar a foto de quem tanto me incentivou a fazer isso. Sincronicidade? Talvez.

Apesar da dor que você me causou no dia que foi embora, viajar o mundo lembra? Apesar de ter lhe esperado voltar todos os dias desses anos, só neste ano, no momento em que tomei a decisão de largar tudo aqui, só nesse momento, o significado da sua passagem em minha vida fez verdadeiro sentido. Você me libertou, você me ensinou a ser livre e só depois de dez anos eu consegui entender sua lição. É, mais uns dois dias e termino de arrumar essa bagunça, guardei sua foto agora na minha carteira, pra não mais deixar você se perder nas minhas lembranças. Espero que com você esteja tudo bem, que tenha reduzido esse cigarro e aquietado mais esse espírito. No mais, está tudo em paz.

E ó, eu te amo!

Com amor, Olívia

domingo, 18 de julho de 2010

História por trás da história.

Sábado, 17 de julho de 2010, mais um dia de chuva torrencial em Salvador. Em noites assim Bárbara trabalhava pouco, aliás durante toda essa semana de chuva ela tinha tirado só o suficiente pra tomar um café gelado no bar do Tião, pagar algumas contas e juntar para pagar o aluguel atrasado do seu quartinho no "Casarão", afinal, aquele quartinho era seu local de trabalho.
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Neste sábado, Bárbara não tinha conseguido nem metade do que ela consegue em um final de semana sem chuva, tinha tirado só R$50,00, dois programas, apenas dois programas! Sentada numa calçada permanecia observando a madrugada rasgando a noite junto com a chuva grossa, que lavava as ruas sujas da Cidade Baixa. E pensava...Pensava no quão pouco tinha ganhado, pensava nos três meses de aluguel atrasado, no quanto Deus era injusto e na sua esperança em um dia sair daquela vida e voltar pra casa da sua mãe no interior onde deixou sua filha de três anos.
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Bárbara tinha 22 anos, era uma morena bonita, alta, que chamava atenção entre os frequentadores dos bares da Cidade Baixa, conhecida como Luana, seu nome de guerra, e que apesar da pouca idade, tinha malícia de quem tem muita experiência e história pra contar. Seus cabelos castanhos meio crespo meio ondulado, combinavam com o tom da sua pele e dos seus olhos. Lábios carnudos, peitos pequenos, quadris largos e uma bunda grande e empinada que reforçavam sua fama e a faziam uma das prostitutas mais cobiçadas daquela região. Ela cobrava R$ 25,00 por programa completo, quase sempre realizado no seu pequeno quartinho no ''Casarão", preferia que fosse lá, afinal, era mais seguro.
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Nesta noite de nada adiantou expor seu belo corpo na rua e se perfumar com um perfume barato qualquer, só tinha conseguido dois clientes, dois! Na medida em que o tempo passava, a chuva só aumentava. Já eram 2h00 da manhã, Bárbara ainda estava sentada na calçada próxima ao seu apartamento. Ela não gostava de dias ociosos, não só pela falta do dinheiro, mas porque abria espaço pra ela pensar demais, mais do que deveria. Acabava sempre no mesmo destino, Irará, ao lado de sua filhinha que teve que deixar quando mais nova. Neste dia não foi diferente, no intervalo entre as expectativas que surgiam quando um ou outro carro passava na rua, ela deixava-se lembrar dos olhinhos pretos da sua filha e das suas mãozinhas tão pequenas. - Como ela está agora? Será que ela mudou muito? Será que está menos parecida com o vagabundo do pai e mais parecida comigo? Se perguntava em silêncio. Bárbara pensava todas as noites após seus programas que não queria aquela vida para a filha, pedia a Deus que fosse mais benevolente e não permitisse jamais que ela entrasse nesse caminho, que a matava um pouco todos os dias e a transformava, em cada sexo, numa alma sem brilho, como uma cédula jogada no canto da cama após cada expediente.
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3h da manhã, a chuva cada vez mais forte, agora seu shortinho com top representavam quase que uma tortura, tremia de frio e já conformada e cansada de esperar resolveu voltar pra o seu quarto e dormir. Há quanto tempo não dormia 3h da manhã? Nem lembrava mais... Entrou no seu quarto, deu de cara com sua cama desforrada lembrando-a do seu último programa: - Até que o cara tinha uma boa pegada, lembrava ela. Tirou a roupa, juntou as moedas espalhadas na penteadeira e colocou no seu cofrinho escondido dentro do guarda-roupa. Naquele cofrinho estava seu sonho, mais alguns meses de trabalho e em dezembro ela poderia comprar sua passagem e visitar sua filha, talvez voltasse, talvez não, mas precisava rever mais uma vez aqueles olhinhos pretos e mãos pequenas que tanto a marcaram na despedida.
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3h30 da madrugada, só de calcinha Bárbara estava deitada, sem sono, é bem verdade, em outros dias ela estaria trabalhando, mas deitada de luz apagada olhando pra o teto escuro ela estava, até a hora que cansasse e finalmente pegasse no sono. Escutava o barulho da chuva, estava tão próxima à ela, parecia cair no seu teto, e não no prédio de 5 andares. Era incrível porque a chuva conseguia ficar cada vez mais forte e o barulho do mar revolto misturado com o barulho que a enxurrada fazia na rua, transmitia a Bárbara uma sensação de desproteção. Porém, mais desprotegida do que ela já estava? Impossível.
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3h45 da madrugada, agora além da chuva, ruídos estranhos começaram a soar no prédio. A chuva parecia cair no seu teto de tão forte e junto com isso, vozes fora do apartamento começavam a emergir e tirar sua concentração, eram suas vizinhas que agora reunidas no corredor comentavam preocupadas se aquela estrutura tão rachada e entregue ao descaso resistiria a tamanha fúria da natureza. Como que numa coincidência o primeiro pedaço de teto foi ao chão e logo em seguida, como efeito dominó, toda estrutura do prédio, que ia desmoronando em série como um monte de areia. Ouviam-se gritos e já não era mais possível identificar os autores, os mais próximos à porta correram, os que observavam verdadeira trágedia já se adiantaram a ligar para os setores responsáveis, bombeiros, policia, o que fazer? Há um prédio caindo na Cidade Baixa com pessoas dentro, o que fazer? E a chuva não cessava...
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E assim, com cada bloco de cimento que caia, iam morrendo as angústias, as tristezas, os segredos, as saudades, os sonhos e as esperanças de Bárbara, junto com seu corpo agora soterrado entre os escombros do que um dia foi o famoso "Casarão". Ainda meio viva, meio morta procurava com os olhos - a única coisa que ainda conseguia mexer - o seu cofrinho com o dinheiro que valia sua felicidade. Sem sucesso, em meio à fumaça de poeira, à choros e pedidos de socorro, Bárbara se deixava vencer aos poucos (ou será se perder?) e sentia a morte penetrando seu corpo, de forma diferente dos homens com quem dormia. A dor era mais aguda e de longo alcance, de forma que a sua melhor atitude seria fechar os olhos e esperar. Esperar só mais um pouco para quem esperou tanto, era quase que nada. Porém, agora sim ela sairia dessa vida de programas, mas não mais para os braços pequenos da sua filha, mas sim pra não se sabe aonde, céu, inferno, além? Talvez... Nesse momento a única coisa que ela pensava além da dor que percorria todos os cantos da sua alma e corpo, era nos olhinhos pretos e mãozinhas pequenas que tanto amou e tanto desejou tocar e ver novamente, como não foi capaz de amar e desejar mais nada na sua vida, nem à ela mesma, muito menos à cada homem com quem deitou e permitiu que lhe levassem pedaços.
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*Na madrugada de sábado, um prédio de 5 andares do século XIX desabou na cidade baixa, a 400 metros do Elevador Lacerda, também na capital baiana. Uma mulher morreu e três pessoas ficaram feridas. Três dos cinco andares do prédio, conhecido popularmente como 'casarão', desabaram internamente. A parte externa do imóvel não caiu, mas apresenta rachaduras e está ameaçada. O local era alugado para garotas de programa. - O GLOBO
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*Bárbara é uma personagem fictícia.

domingo, 11 de julho de 2010

Talvez

Hoje por acaso, tocou uma música que você tinha me mandado, na sequência das músicas que eu estava ouvindo no computador. E eu só consegui lembrar de você repetindo ela um milhão de vezes no carro, prometendo que seria a última. Logo, lembrei do seu sorriso tentando me enrolar, um dos sorrisos mais bonitos que já vi, não pela perfeição da boca e dentes, não por isso, mas pela verdade que ele consegue transmitir.

Hoje, foi em você que eu pensei quando quis escrever. Talvez porque ouvir aquela música e lembrar teu sorriso tenha me transportado até você. Foi como pegar o avião e te encontrar em São Paulo. Talvez eu quisesse mesmo que isso acontecesse, talvez não. Talvez eu esteja curtindo essa falta diária que você tem feito. Talvez eu esteja curtindo sorrir sozinha lembrando dos seus trejeitos.

Sinto-me feliz em saber que de agora em diante eu só quero e penso em você. Não sei nominar, mas a sensação é parecida com a de encontrar a palavra perfeita na construção de um texto ou quase como encontrar dinheiro no bolso. Não, não é como isso, é muito melhor.

É muito e é melhor.

Cinco de maio

Eu entrego você a vida, ao tempo, ao vento e ao mundo.
E se eu for seu mundo, seu tempo, seu vento e sua vida,
você há de retornar aqui, de onde você nunca deveria ter saido.

sábado, 10 de julho de 2010

Doce partida



''Vem aqui comigo?!" Lhe perguntei isso estendendo uma das minhas mãos trêmulas, o que revelava o quanto essa frase tinha custado a sair não só da minha boca, mas da minha cabeça armada de censura. Você me deu a mão, e assim fomos andando de mãos dadas em meio a chuva, desviando de pessoas que místicamente ficaram invisíveis naquele momento. Era eu e você de novo. Aonde? Não sei. Quando? Não importa. Era eu e você e um silêncio gritante.

Sentamos na calçada, você me deu seu casaco pra me proteger da chuva, abracei seu casaco como quis abraçar você, queria sugar aquele cheiro de forma que ele entrasse em meu corpo e ficasse em mim depois que você fosse embora. Não precisávamos falar nada, era desnecessário. Sua mão sem soltar a minha, me atualizava de suas novidades. E entre elas eu li no seu olhar que seu amor por mim ainda não tinha acabado.

Tá e agora? O que fazer com essa informação, se as coisas jamais serão como antes? E então, que diferença isso faz? Ai é que está, nenhuma. Talvez se eu soubesse disso há dois meses teria repetido os mesmos erros, mas agora? Depois de tudo que aconteceu? Não... Não mesmo!

A melhor parte é que você me entendia, tão bem, como nos velhos tempos. E você entendia que a única coisa que eu queria era parar aquele momento, mas depois virar as costas e ir, sem ao menos olhar pra trás. E assim aconteceu. Tão bom te rever, tão bom ser você de novo, tão bom quanto voltar na casa do campo que eu tanto brinquei na infância. Porém, uma hora a cidade chama e as buzinas da realidade me dão forças para vestir seu casaco, levantar e seguir, atravessando sozinha agora aquela multidão de pessoas. Indo finalmente embora.

Talvez não para sempre, visto que sempre não existe. Mas sim por um bom tempo, o suficiente para que sua mão e olhar não mais me diga ''Eu te amo''.

Dispa-se

Vem, vem aqui. Rápido, rápido! Tira essa roupa.
Tem que ser agora, nós não temos mais tempo.
Tem que ser agora e aqui. Vamos, rápido. Vem logo, eu tou enlouquecendo.
Tire essa camisa, tira essa roupa, me mostra você.
Me mostra quem é você, por inteiro, rápido!
Tira, tira, tira essa máscara.
Deixa eu lhe ver, deixa eu lhe olhar.
Me mostra, você não consegue?
Vai, fica nú, dispa-se de suas mentiras, das suas poses, das suas atuações.
Eu quero ver além, eu quero ver você.
Não se esconda, olhe pra mim, tire essa roupa.
Só assim poderei ser tua e mergulhar em você.
Eu quero você assim, simplesmente você.
Isso, isso, assim... Livre-se de todas essas peles.
Eu quero ir mais fundo, mais fundo.
Será que você consegue? Eu te desafio.
Me mostra, se arranca pra mim.
Não consegue? Não?
Então sai, sai, vá embora.
Eu não te amo mais.