Sábado, 17 de julho de 2010, mais um dia de chuva torrencial em Salvador. Em noites assim Bárbara trabalhava pouco, aliás durante toda essa semana de chuva ela tinha tirado só o suficiente pra tomar um café gelado no bar do Tião, pagar algumas contas e juntar para pagar o aluguel atrasado do seu quartinho no "Casarão", afinal, aquele quartinho era seu local de trabalho.
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Neste sábado, Bárbara não tinha conseguido nem metade do que ela consegue em um final de semana sem chuva, tinha tirado só R$50,00, dois programas, apenas dois programas! Sentada numa calçada permanecia observando a madrugada rasgando a noite junto com a chuva grossa, que lavava as ruas sujas da Cidade Baixa. E pensava...Pensava no quão pouco tinha ganhado, pensava nos três meses de aluguel atrasado, no quanto Deus era injusto e na sua esperança em um dia sair daquela vida e voltar pra casa da sua mãe no interior onde deixou sua filha de três anos.
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Bárbara tinha 22 anos, era uma morena bonita, alta, que chamava atenção entre os frequentadores dos bares da Cidade Baixa, conhecida como Luana, seu nome de guerra, e que apesar da pouca idade, tinha malícia de quem tem muita experiência e história pra contar. Seus cabelos castanhos meio crespo meio ondulado, combinavam com o tom da sua pele e dos seus olhos. Lábios carnudos, peitos pequenos, quadris largos e uma bunda grande e empinada que reforçavam sua fama e a faziam uma das prostitutas mais cobiçadas daquela região. Ela cobrava R$ 25,00 por programa completo, quase sempre realizado no seu pequeno quartinho no ''Casarão", preferia que fosse lá, afinal, era mais seguro.
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Nesta noite de nada adiantou expor seu belo corpo na rua e se perfumar com um perfume barato qualquer, só tinha conseguido dois clientes, dois! Na medida em que o tempo passava, a chuva só aumentava. Já eram 2h00 da manhã, Bárbara ainda estava sentada na calçada próxima ao seu apartamento. Ela não gostava de dias ociosos, não só pela falta do dinheiro, mas porque abria espaço pra ela pensar demais, mais do que deveria. Acabava sempre no mesmo destino, Irará, ao lado de sua filhinha que teve que deixar quando mais nova. Neste dia não foi diferente, no intervalo entre as expectativas que surgiam quando um ou outro carro passava na rua, ela deixava-se lembrar dos olhinhos pretos da sua filha e das suas mãozinhas tão pequenas. - Como ela está agora? Será que ela mudou muito? Será que está menos parecida com o vagabundo do pai e mais parecida comigo? Se perguntava em silêncio. Bárbara pensava todas as noites após seus programas que não queria aquela vida para a filha, pedia a Deus que fosse mais benevolente e não permitisse jamais que ela entrasse nesse caminho, que a matava um pouco todos os dias e a transformava, em cada sexo, numa alma sem brilho, como uma cédula jogada no canto da cama após cada expediente.
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3h da manhã, a chuva cada vez mais forte, agora seu shortinho com top representavam quase que uma tortura, tremia de frio e já conformada e cansada de esperar resolveu voltar pra o seu quarto e dormir. Há quanto tempo não dormia 3h da manhã? Nem lembrava mais... Entrou no seu quarto, deu de cara com sua cama desforrada lembrando-a do seu último programa: - Até que o cara tinha uma boa pegada, lembrava ela. Tirou a roupa, juntou as moedas espalhadas na penteadeira e colocou no seu cofrinho escondido dentro do guarda-roupa. Naquele cofrinho estava seu sonho, mais alguns meses de trabalho e em dezembro ela poderia comprar sua passagem e visitar sua filha, talvez voltasse, talvez não, mas precisava rever mais uma vez aqueles olhinhos pretos e mãos pequenas que tanto a marcaram na despedida.
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3h30 da madrugada, só de calcinha Bárbara estava deitada, sem sono, é bem verdade, em outros dias ela estaria trabalhando, mas deitada de luz apagada olhando pra o teto escuro ela estava, até a hora que cansasse e finalmente pegasse no sono. Escutava o barulho da chuva, estava tão próxima à ela, parecia cair no seu teto, e não no prédio de 5 andares. Era incrível porque a chuva conseguia ficar cada vez mais forte e o barulho do mar revolto misturado com o barulho que a enxurrada fazia na rua, transmitia a Bárbara uma sensação de desproteção. Porém, mais desprotegida do que ela já estava? Impossível.
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3h45 da madrugada, agora além da chuva, ruídos estranhos começaram a soar no prédio. A chuva parecia cair no seu teto de tão forte e junto com isso, vozes fora do apartamento começavam a emergir e tirar sua concentração, eram suas vizinhas que agora reunidas no corredor comentavam preocupadas se aquela estrutura tão rachada e entregue ao descaso resistiria a tamanha fúria da natureza. Como que numa coincidência o primeiro pedaço de teto foi ao chão e logo em seguida, como efeito dominó, toda estrutura do prédio, que ia desmoronando em série como um monte de areia. Ouviam-se gritos e já não era mais possível identificar os autores, os mais próximos à porta correram, os que observavam verdadeira trágedia já se adiantaram a ligar para os setores responsáveis, bombeiros, policia, o que fazer? Há um prédio caindo na Cidade Baixa com pessoas dentro, o que fazer? E a chuva não cessava...
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E assim, com cada bloco de cimento que caia, iam morrendo as angústias, as tristezas, os segredos, as saudades, os sonhos e as esperanças de Bárbara, junto com seu corpo agora soterrado entre os escombros do que um dia foi o famoso "Casarão". Ainda meio viva, meio morta procurava com os olhos - a única coisa que ainda conseguia mexer - o seu cofrinho com o dinheiro que valia sua felicidade. Sem sucesso, em meio à fumaça de poeira, à choros e pedidos de socorro, Bárbara se deixava vencer aos poucos (ou será se perder?) e sentia a morte penetrando seu corpo, de forma diferente dos homens com quem dormia. A dor era mais aguda e de longo alcance, de forma que a sua melhor atitude seria fechar os olhos e esperar. Esperar só mais um pouco para quem esperou tanto, era quase que nada. Porém, agora sim ela sairia dessa vida de programas, mas não mais para os braços pequenos da sua filha, mas sim pra não se sabe aonde, céu, inferno, além? Talvez... Nesse momento a única coisa que ela pensava além da dor que percorria todos os cantos da sua alma e corpo, era nos olhinhos pretos e mãozinhas pequenas que tanto amou e tanto desejou tocar e ver novamente, como não foi capaz de amar e desejar mais nada na sua vida, nem à ela mesma, muito menos à cada homem com quem deitou e permitiu que lhe levassem pedaços.
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*Na madrugada de sábado, um prédio de 5 andares do século XIX desabou na cidade baixa, a 400 metros do Elevador Lacerda, também na capital baiana. Uma mulher morreu e três pessoas ficaram feridas. Três dos cinco andares do prédio, conhecido popularmente como 'casarão', desabaram internamente. A parte externa do imóvel não caiu, mas apresenta rachaduras e está ameaçada. O local era alugado para garotas de programa. - O GLOBO
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*Bárbara é uma personagem fictícia.
Que legal que voltou com o blog! Li seus textos mas não tive tempo de te seguir, mas enfim. Esse texto meio que, quando eu li a descrição da tal prostituta, por um momento achei que você tinha se inspirado em mim. Não pela prostituição (UshaosuihaoishaSOUIAhsoiuHSOI) mas quando falou da sua cor da pele, combinando como cabelo e olhos! As pessoas costumam dizer isso de mim. HAHA
ResponderExcluirBeijos, to te seguindo agora.
Mila que texto lindo! Muito inteligente e carinhoso criar uma suposta história pra "Bárbara"
ResponderExcluirMilah Antunes ;*