segunda-feira, 19 de julho de 2010

Uma foto, uma carta...

Rio de Janeiro, 15 de novembro de 2001

Querido Rangel,

Provavelmente você estranhe receber uma carta minha após tantos anos, logo minha, que nunca escreveu sequer uma linha pra você. Acontece que hoje, em meio à arrumação para mudança do meu apartamento, encontrei uma foto sua. Você ainda usava aquele bigode que eu detestava e tinha aquela mania que me envergonhava de tirar fotos com o cigarro no canto da boca. Eu estava arrumando caixas, jogando papéis velhos fora, enrolando objetos em folhas de jornais antigos e eis que dei de cara com essa foto. Permaneci em silêncio sentada no chão empoeirado do meu apartamento com vista para o mar. Lembra o quanto você gostava da vista do meu apartamento? Fizemos os melhores planos do nosso efêmero caso diante dessa vista de exatos 60 cm, o tamanho da minha janela.

Logo quando você partiu, todos os dias às 17h45 eu me debruçava sobre a janela e observava aquele mar, ora revolto, ora límpido, numa tentativa frustrada de reviver você. Encostada ali lembrava da maneira como decidíamos nossas viagens, inesquecíveis viagens; lembrava de você me dizendo “Pequena, só existe o agora, eu não sei se estarei com você amanhã, então, vamos aproveitar!” Nossa, como essa frase, tão sua, me deixava insegura e me fazia todos os dias olhar para o lado esquerdo na cama, após acordar, com medo de que você não estivesse mais lá. Vivia na iminência de sua partida, afinal, entre a gente não existia futuro. Nossos planos eram breves, aventureiros e felizes. Dez anos se passaram desde que você foi embora, o apartamento e a janela ainda continuam os mesmos, mas eu não. Sinto falta da nossa impulsividade e desprendimento quanto ao resto do mundo, a verdade é que eu invejava o seu desapego, a sua imprevisibilidade, inconseqüência e intensidade, nossa, como eu queria ser como você. Apesar da curta duração, o nosso caso foi o mais intenso de toda a minha vida. Com você eu não me sentia segura, nem protegida, nem confiante, nem amada, nem esposa, nem nada, eu me sentia livre.

Admirando aquela foto permaneci por mais alguns minutos, que pareceram os meses do nosso curto caso, lembrava dos seus cabelos molhados, do cheiro do seu shampoo e dos cachinhos que eu enrolava no dedo quando depois de uma daquelas noites loucas de sexo você repousava a cabeça em minha barriga. Lembro de você brincando com ela, esfregando sua barba mal feita e me fazendo cócegas. Lembro de você cantarolando Bob Dylan, enquanto tomava banho e dirigia. Nossa! Como você dirigia mal. Agora rindo sozinha nesse apartamento imenso, sem você, consigo lembrar de você batendo na minha bunda na frente das pessoas. Eu lembro também do seu amor por cigarros, que eu tanto detestava, meu apartamento ficava impregnado, cheirando a fumaça, e esse era o motivo mais frequente das nossas brigas de dois segundos, que você tinha a malícia de calar quando roubava de mim os melhores beijos que eu já dei na vida. Hoje, senti saudade daquele cheiro sufocante de fumaça no meu quarto, senti saudade de você.

Não tenho idéia de como você está hoje em dia, afinal, dez anos se passaram. Nem sei se enviarei esta carta, ou se você se encontra ainda no mesmo endereço, mas eu sei que estou me mudando. Finalmente, vou seguir seu conselho e sair dessa vidinha de merda de escritório e patrão, vou seguir o meu sonho, vou seguir meu coração e nada mais perfeito do que encontrar a foto de quem tanto me incentivou a fazer isso. Sincronicidade? Talvez.

Apesar da dor que você me causou no dia que foi embora, viajar o mundo lembra? Apesar de ter lhe esperado voltar todos os dias desses anos, só neste ano, no momento em que tomei a decisão de largar tudo aqui, só nesse momento, o significado da sua passagem em minha vida fez verdadeiro sentido. Você me libertou, você me ensinou a ser livre e só depois de dez anos eu consegui entender sua lição. É, mais uns dois dias e termino de arrumar essa bagunça, guardei sua foto agora na minha carteira, pra não mais deixar você se perder nas minhas lembranças. Espero que com você esteja tudo bem, que tenha reduzido esse cigarro e aquietado mais esse espírito. No mais, está tudo em paz.

E ó, eu te amo!

Com amor, Olívia

4 comentários:

  1. Milla, estou realmente impressionado com seus textos, não conhecia esse seu lado, adorei o texto
    beijos

    ResponderExcluir
  2. Eu sabia que você era uma das minhas colegas mais lindas e aplicadas no tempo da escola, mas não sabia que é tão inteligente assim. Adoro esse texto!

    ResponderExcluir