Ninguém sabia de onde ela veio ou
sua história. Ninguém sabia quem ela era. Muitas fantasias e poucas verdades.
Em um mundo que carece de mistérios, a invenção parece mais interessante. Dodô,
era assim que a chamavam, morava em um velho prédio localizado no subúrbio mais
abandonado da cidade. Um prédio caindo aos pedaços e com muitas escadas que
energicamente ela subia e descia murmurando os seus delírios.
Cabelos grisalhos e longos
apontavam uma vaidade desleixada. Suas mechas lisas e cinzas iam até a altura
da cintura e me faziam pensar que ela era uma bruxa. Desde pequena, quando
minha mãe me contava histórias que tinham bruxas, era o rosto de dona Dodô que
eu via nestas personagens. Imaginava caldeirões e vassouras voadoras, gatos e
poções espalhadas pela mesa da sala. Sentia medo, mas ao mesmo tempo grande
interesse por aquela mulher. O tempo passou, ficaram para trás as histórias e
os medos, no entanto, hoje tenho certeza: dona Dodô só pode ser uma bruxa.
A rotina de dona Dodô era
simples, vivia sozinha com um gato preto, nunca recebia visitas e só saia de
casa para fazer compras e dar o seu passeio solitário no final da tarde. Este
passeio, que acontecia todos os dias religiosamente, me permitia observá-la
melhor. Tinha a sensação de estar sendo invasiva por segui-la e ficar criando
histórias para entendê-la. Mas, gostava desta sensação clandestina de ter um
segredo que ninguém mais tinha.
Os seus passos eram leves, andava
alienada do mundo, não via ninguém, não cumprimentava ninguém. Com certeza o
seu mundo particular era muito mais interessante do que o dos outros vizinhos.
Falava consigo mesma, em um idioma incompreensível, ria sozinha, reclamava
sozinha, para todos era a louca do bairro, para mim o enigma da existência.
Andava com roupas que me lembravam mulheres que frequentam igrejas evangélicas
no domingo. Saias longas e blusas de manga. Será que Dodô era religiosa? Vai
saber.
Um belo dia, eu reparei que ela
estava usando uma aliança no dedo. Parecia estar feliz, prendeu os cabelos e
saiu de casa mais cedo do que de costume. Cumprimentei-a como sempre e
perguntei como quem esperava que ela me ignorasse: - Para onde vai assim tão
bonita dona Dodô? Ela rispidamente respondeu-me: - Hoje é a minha lua-de-mel. E
saiu flutuando pela rua.
Não resisti e a segui. Ela caminhava
normalmente com uma felicidade que lhe era estranha. Parecia que tinha
descoberto algo extraordinário. Para mim ela era a personificação do
extraordinário, mas neste dia ela estava diferente. Não sei bem explicar. E
aquela aliança, aquela história de lua-de-mel. Já ouvi muitos dos delírios de
dona Dodô, suas viagens cósmicas, suas revelações apocalípticas, suas histórias
sobre um tempo remoto em uma roça familiar, mas nunca tinha escutado na sobre
casamento, amor e estas coisas que nos deixam andando abobalhados pela rua.
No subúrbio há algumas praias, muito bonitas,
mas pouco visitadas devido à distância ao centro da cidade. Dona Dodô, andava
em direção à praia das loucas. Tinha esse nome, porque antigamente havia um
hospício no terreno que hoje dá acesso a praia, e em algum dia algumas loucas
fugiram para tomar banho de mar. De alguma forma, dona Dodô estava reproduzindo
esta história, estava repetindo uma lenda. Dona Dodô sabia das coisas, ela era
uma mulher sábia, eu tinha certeza.
Ela chegou à praia e ajoelhou-se
em frente ao mar, rezou para algum ser do universo, em uma língua que eu não
compreendia. Levantou e começou a despir-se sem pudor. Tirou primeiro a sua
camisa de manga longa, exibindo seus seios grandes e enrugados e depois a saia
que mostrava um corpo marcado pela velhice e pela solidão. Dodô deitou na areia
molhada em frente ao mar, apertou os olhos e abriu as pernas, deixando a água
penetrá-la. Pude ouvi-la gemer alto de prazer com a água tocando seu sexo. Dodô
alucinava e sentia dentro dela a força do desejo do mar, como se fosse um
homem. Como se fosse seu homem.
Dodô fez sexo com o mar, era a
sua lua-de-mel.
Depois que presenciei aquilo,
entendi porque Dodô era tão especial para mim, não necessitava de explicações
ou histórias, ela era o que era e isto era atemporal. Louca ou não, bruxa ou
não. Dodô era eu também, ela era a natureza e nada mais.