Cada dia que passa fico mais certa que o sentido da vida é a própria morte. Não caminhamos para este momento, que alguns consideram definitivo, outros apenas passagem, de forma isenta. A vida consiste em morrer. Morremos todos os dias, matamos a criança que fomos, o adolescente, o adulto. Vão morrendo células, os cabelos caem mortos, a pele também.
Morremos subjetivamente desde que nos inserimos no meio. A primeira castração simbólica, o primeiro dente que fere a gengiva e depois cai. Depois vem os amigos, perdemos amigos ao longo da vida. Ao longo das turmas no colégio, ao longo das férias de verão. Dói a morte de amigos, tanto a morte ''definitiva'' do corpo, quanto a morte da pessoa que ele foi, que te encontra 10 anos depois em um café como se fosse outra pessoa, e é. Dói, mas a gente supera. Superamos fins de relacionamentos. Superamos amores não correspondidos. Superamos aquele dia que descobrimos que nosso amor platônico preferia mesmo a nossa amiga. Superamos os motivos pelos quais já choramos no banheiro. Será que superamos?
Mas enfim, não é um texto sobre traumas e superação. É um texto sobre morte. Morremos sim, todos os dias, nada é para sempre e tudo acaba. Porque também não somos para sempre. Mudamos e mudamos muito. Talvez quando dizemos "Te amo para sempre" deveríamos dizer "Enquanto eu for assim, eu te amarei para sempre", o que não deixa de ser uma verdade. Quando você olha para trás, o seu passado tá fixo, parado naquele tempo. Se você acessá-lo, você vai revivê-lo ali. Ele está eternizado em 2000, 2007, 1996. O amor que foi vivido está preso ali e segue ali, junto com quem você era, eterno.
Seguimos descascando nessa estrada de mortes que é a vida. Seguimos aprendendo a morrer. Perdemos pessoas, objetos, segredos, sentimentos, hábitos para aprendermos a perder a nós mesmos, por completo. Para quem sabe, aproveitarmos toda vida dentro de tanta morte. E suspirar pela última vez, podendo finalmente descansar de tanta incerteza.